Editorial do Estadão acusa o governo Lula de usar comoção social para tentar impor censura e dar poderes autoritários ao Executivo.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou nesta terça-feira (19) um editorial contundente contra a nova iniciativa do governo Lula (PT) sobre o tema da adultização e da exploração infantil. Segundo o periódico, o Palácio do Planalto estaria tentando explorar a comoção provocada pelo vídeo do influenciador Felca e a “justa indignação social contra crimes abjetos” como um atalho para restringir liberdades democráticas.
Sob o título O Cacoete Autoritário do Lulopetismo, o jornal apontou dispositivos preocupantes no projeto de lei que será encaminhado ao Congresso. Entre eles, a concessão de poderes inéditos a uma reformulada Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), vinculada ao Ministério da Justiça. A proposta permitiria que a agência determinasse, sem ordem judicial, o bloqueio por até 60 dias de qualquer plataforma considerada negligente no combate a crimes como pedofilia online, golpes ou fraudes.
“Não há exagero em qualificar uma medida desse jaez como autoritária. Conferir a um ente subordinado ao Executivo a faculdade de retirar do ar plataformas usadas diariamente por milhões de brasileiros abre uma avenida para arbitrariedades de toda ordem”, escreveu o Estadão.
O editorial ressalta que, embora crimes como pedofilia e exploração infantil exijam resposta firme do Estado, essa atuação precisa respeitar o devido processo legal. Usar a indignação da sociedade como justificativa, afirma o texto, é abrir caminho para a censura: “É inaceitável a exploração da justa indignação social contra crimes abjetos como um atalho para a censura.”
O Estadão lembra que, desde a decisão do STF em junho sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet, conteúdos podem ser retirados do ar por notificação dos usuários, mas a suspensão de plataformas só pode ser determinada pelo Judiciário, assegurando o contraditório e a ampla defesa. O texto alerta que substituir esse escrutínio judicial por um processo administrativo de uma agência subordinada ao governo abre risco de transformar o combate a crimes digitais em instrumento político nas mãos do Executivo.
O jornal defende que o PL nº 2.628/2022, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara, é um caminho mais sólido e democrático, embora ainda precise de ajustes. Para o Estadão, o PT mais uma vez expõe sua “tentação autoritária no campo da comunicação”, tentando impor o chamado “controle social da mídia”.
O texto é taxativo ao afirmar que não cabe ao Executivo arbitrar o discurso público. O combate às violências online deve ser conduzido dentro dos limites do Estado Democrático de Direito, não por uma estrutura burocrática de controle da informação com poder quase ilimitado.
“O que levará um burocrata a certificar que uma empresa de tecnologia foi ‘negligente’ no combate à pedofilia online? O projeto embaralha fronteiras que deveriam ser cristalinas do ponto de vista legal. Se levada adiante, a proposta de Lula dará ao governo a prerrogativa de calar vozes incômodas a pretexto de proteger cidadãos vulneráveis – a desculpa esfarrapada que regimes autoritários costumam dar para restringir as liberdades democráticas”, conclui o editorial.