
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quarta-feira (20) que o Brasil atravessa um verdadeiro “deserto institucional”, no qual a falta de respostas do Executivo e, principalmente, do Legislativo leva o Judiciário a ser constantemente provocado a assumir protagonismo político.
Segundo o magistrado, o chamado ativismo judicial surge como uma “tentação satânica”, expressão usada para criticar a pressão exercida sobre os ministros diante da omissão de outros poderes.
“Nós não somos delegatários diretos da soberania popular. Só que tudo para no sistema de Justiça. E aí você é chamado ao ativismo o tempo inteiro, quase como se fosse uma tentação satânica. Sabe Jesus Cristo no deserto? ‘Tá aqui, faça isso, é bom’”, disse Dino durante palestra no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em referência a um episódio bíblico.
O ministro destacou que o hiperativismo judicial é fruto do vácuo político: “É esse deserto institucional que o Brasil atravessa que chama o Judiciário ao hiperativismo. Porque, vamos convir, muita coisa que deveria ser resolvida pelos outros, não é. E há uma visão errada de que a culpa do ativismo é dos juízes ou do Ministério Público.”
Dino reconheceu que o STF tem ocupado espaço central nos embates nacionais, mas alertou para os riscos de um protagonismo excessivo. “O ativismo da Justiça ou a busca de um Judiciário protagonista é marca do nosso tempo. Conflitos políticos, econômicos, sociais… Vocês sabem. E nós não podemos simplesmente aderir a isso. Temos que saber até onde vai a nossa responsabilidade, sem ser omisso”, afirmou.
Nos últimos anos, o STF tem acumulado críticas de vários setores por legislar sobre pautas sensíveis, como a regulamentação das redes sociais, o aborto e a descriminalização da maconha, todas vistas como matérias típicas do Congresso. Decisões de Dino, como a que cobrou mais transparência na destinação das emendas parlamentares, também geraram desconforto entre os Poderes.
Durante a palestra, Dino comentou ainda o projeto de lei que trata da proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, conhecido como PL da Adultização. O texto prevê medidas de controle parental, proteção de dados, filtros de conteúdo e responsabilidades para plataformas digitais.
O ministro elogiou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), por pautar o projeto, e defendeu que marcos sociais devem ser definidos pelo Congresso. Contudo, lembrou que o STF já precisou intervir, diante da omissão parlamentar: “O Supremo já fixou a tese sobre internet, inclusive sobre proteção de crianças e adolescentes, há três meses. Uma das ações é do tempo do Orkut. O Supremo vai dizer o quê? Que está esperando sair uma lei? Quando o Congresso legisla, melhor. Mas é preciso que faça a tempo.”
Para Dino, a demora do Legislativo força o Judiciário a avançar sobre questões que não lhe caberiam originalmente, mantendo alta a judicialização da vida pública no país.