
Ministro do Supremo revisa entendimento e absolve réus do “núcleo da desinformação”; decisão marca mudança de postura sobre os atos
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu nesta terça-feira (21) que a Corte cometeu erros ao julgar os processos relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Durante sessão da Primeira Turma do STF, Fux anunciou mudança de posicionamento ao votar pela absolvição do chamado “núcleo da desinformação”, formado por réus acusados de disseminar mensagens golpistas nas redes sociais. Em sua justificativa, o ministro afirmou que reavaliou seu entendimento à luz do tempo e da consciência jurídica.
“Meu entendimento anterior, julgamos muitos casos, embora amparado pela lógica da urgência, incorreu em injustiças que o tempo e a consciência já não me permitiam sustentar”, declarou. “O meu realinhamento não significa fragilidade de propósito, mas firmeza na defesa do Estado de Direito.”
A fala foi interpretada como um reconhecimento público de excessos cometidos pelo STF durante as fases iniciais dos julgamentos, marcadas por decisões rápidas e severas, adotadas no auge da crise institucional pós-ataques.
Mudança de entendimento e contexto jurídico
Em sua manifestação, Fux explicou que os julgamentos realizados nos meses seguintes ao 8 de janeiro foram conduzidos sob forte pressão política e social, em um momento de instabilidade e demanda por respostas imediatas. Ele afirmou que, embora a intenção inicial fosse proteger as instituições, alguns réus acabaram sendo punidos sem provas suficientes de participação efetiva em atos antidemocráticos.
O ministro enfatizou que “reconhecer erros não enfraquece a Justiça, mas fortalece o compromisso com o Estado de Direito” e que a imparcialidade deve prevalecer sobre a emoção e o clamor público.
Fux diverge do plenário e contesta tese de golpe de Estado
Ao analisar quatro processos relacionados aos eventos de 8 de janeiro, Fux rejeitou a tese de tentativa de golpe de Estado, sustentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e defendida pela maioria dos ministros da Corte.
Em maio, o ministro havia pedido vista — ou seja, mais tempo para analisar as ações —, sinalizando que já avaliava rever seu entendimento. Agora, em voto divergente, afirmou que as condutas descritas pela PGR não configuram ameaça real à democracia, pois faltavam organização, meios materiais e coordenação entre os envolvidos.
“Não é razoável imaginar que manifestantes desarmados, recolhendo recursos entre si para viajar em ônibus fretado, teriam articulação, fôlego financeiro, treinamento e capacidade bélica suficientes para organizar um golpe de Estado ou abolir violentamente o Estado Democrático de Direito”, escreveu Fux.
“Cogitar de algo tão absurdo seria menosprezar as instituições brasileiras, esgarçar os limites semânticos da lei penal e descartar o princípio da lesividade.”
Para o ministro, os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito exigem capacidade efetiva de tomada de poder, o que, segundo ele, não ocorreu nos protestos de 2023.
Consequências políticas e jurídicas
A posição de Luiz Fux representa uma das divergências mais relevantes dentro do STF desde o início dos julgamentos sobre o 8 de janeiro. Sua fala também ressalta um incômodo interno com a forma como parte dos processos foi conduzida, especialmente em relação aos critérios de prova e proporcionalidade das penas.
Juristas ouvidos por veículos especializados afirmam que a declaração de Fux abre precedente para revisões de sentenças em casos semelhantes e reacende o debate sobre garantias processuais durante situações de crise institucional.
Embora o voto não mude imediatamente o resultado dos julgamentos — que seguiram majoritariamente pela condenação dos envolvidos —, ele introduz uma nova leitura jurídica dentro da Corte, apontando para uma visão mais ponderada e garantista do episódio.
Repercussão entre colegas e especialistas
Fontes próximas ao STF afirmam que o voto de Fux surpreendeu parte dos ministros, mas foi recebido com respeito e reconhecimento de coragem institucional. A declaração pública de “consciência” e “realinhamento” foi vista como um gesto de autocrítica raro na Suprema Corte, que até então vinha mantendo posição unificada sobre o tema.
Analistas políticos observam que a mudança de postura do ministro reflete um amadurecimento do debate jurídico em torno dos atos de 8 de janeiro, e pode contribuir para restaurar a confiança pública no Judiciário, alvo de críticas tanto da oposição quanto de setores da sociedade civil.