
O Chile vive neste domingo (16) um dos momentos mais decisivos de sua história recente. Milhões de eleitores vão às urnas para escolher quem disputará o segundo turno e poderá suceder o presidente Gabriel Boric, da Frente Ampla. Em meio a um cenário político conturbado, marcado pelo avanço da violência no país e pela polarização ideológica, a disputa está totalmente aberta — e a possibilidade de uma virada histórica ganha força com o desempenho do candidato conservador José Antonio Kast, frequentemente apelidado de “Bolsonaro chileno”.
A pesquisa Atlas/Intel divulgada no fim de outubro mostrou Jeannette Jara, do Partido Comunista, na liderança com 33,2% das intenções de voto. Em segundo lugar, porém, surge um surpreendente empate técnico: Kast, do Partido Republicano, e Johannes Kaiser, representante do Partido Nacional Libertário, aparecem ambos com 16,8%. A proximidade entre os candidatos indica que o resultado ainda é imprevisível e que pequenas oscilações de última hora podem definir quem avançará à fase final da disputa.
Segurança pública domina debate e redefine cenário eleitoral
O tema dominante da eleição chilena é, sem dúvida, a segurança pública. O país, por anos considerado um dos mais seguros da América Latina, enfrenta desde 2019 um crescimento expressivo de crimes violentos, tráfico de drogas e atuação de organizações criminosas estrangeiras, como o Tren de Aragua.
A preocupação dos chilenos com a segurança é tão grande que supera temas tradicionalmente prioritários, como economia, saúde e educação. Segundo o levantamento global “O que preocupa o mundo”, da Ipsos, 63% dos entrevistados no Chile listaram a insegurança como o maior problema nacional — a segunda maior taxa entre os 30 países incluídos no estudo.
Essa mudança no humor social abriu espaço para candidatos que defendem medidas mais rígidas contra o crime, e nenhum deles representa essa agenda de forma mais contundente do que José Antonio Kast.
Quem é Kast, o “Bolsonaro chileno”?
José Antonio Kast não é novidade na política chilena. Veterano e presença constante nos últimos ciclos eleitorais, esta é sua terceira candidatura à Presidência. Sua plataforma combina conservadorismo nos costumes com forte discurso de segurança e redução do Estado.
Entre suas principais propostas estão:
- endurecimento das políticas de combate ao crime organizado;
- expulsão imediata de imigrantes em situação irregular;
- aumento da capacidade operacional das forças policiais e militares;
- redução significativa da máquina pública;
- defesa de pautas tradicionais de família e sociedade.
Sua proximidade ideológica e pessoal com o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro o fez receber o apelido de “Bolsonaro chileno”, título reforçado em comícios onde costuma citar exemplos da política de segurança adotada no Brasil durante o governo Bolsonaro.
Joannes Kaiser e a ascensão libertária
A presença de Johannes Kaiser, do Partido Nacional Libertário, adiciona um elemento inesperado à disputa. Defensor de um Estado mínimo, ampla liberdade econômica e flexibilização radical das leis, Kaiser tem conquistado apoio especialmente entre jovens e eleitores insatisfeitos com o sistema político tradicional.
Seu empate técnico com Kast reforça a divisão do eleitorado conservador, mas também indica que a direita chilena vive um momento de expansão — um fenômeno semelhante ao que ocorreu em diversos países nos últimos anos.
Esquerda tenta manter hegemonia, mas enfrenta desgaste
Jeannette Jara, líder nas pesquisas e representante do Partido Comunista, tenta preservar o poder da coalizão de esquerda iniciada com Boric. Sua campanha enfatiza políticas sociais, fortalecimento do Estado e reformas trabalhistas.
No entanto, o desgaste do governo Boric — especialmente por conta da dificuldade em lidar com a crise de segurança — tornou o terreno menos favorável. Parte da população associa o avanço do crime à postura mais branda adotada pela atual administração, o que pode abrir espaço para candidatos com propostas mais duras.
Tudo pode acontecer no Chile
Com a população dividida entre medo, frustração e esperança por mudanças, especialistas consideram esta eleição uma das mais imprevisíveis das últimas décadas. A combinação de forte tensão social, disputa acirrada e novas forças políticas em ascensão cria um ambiente de incerteza que deve se estender até o anúncio dos resultados oficiais.
O Chile, que por décadas foi símbolo de estabilidade na América Latina, agora enfrenta uma encruzilhada — e o resultado de hoje pode não apenas redefinir o futuro do país, mas também influenciar debates políticos em toda a região. O avanço de Kast e a possibilidade de um candidato de perfil similar ao de Bolsonaro chegar ao segundo turno reforçam uma mudança profunda no clima político continental.
Enquanto isso, o país aguarda com expectativa, e até com certa apreensão, o que as urnas revelarão ao final deste domingo.
