
Na sexta-feira (15), o Partido Novo protocolou um pedido formal ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, requerendo a abertura de um processo administrativo disciplinar contra Cristina Yukiko Kusahara Gomes, chefe de gabinete do ministro Alexandre de Moraes e servidora de carreira do Tribunal de Justiça de São Paulo. A solicitação lança mais luz sobre a crescente polêmica envolvendo o papel desempenhado pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), vinculada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a condução de investigações que, segundo críticos, extrapolaram os limites legais.
Acusações do Partido Novo
De acordo com a sigla, Cristina Yukiko teria extrapolado suas funções ao transformar a AEED em uma estrutura com características de persecução penal, competência que não lhe caberia. O partido afirma que esse desvio de função ganhou força a partir de agosto de 2022, quando Moraes assumiu a presidência do TSE e reforçou o protagonismo do órgão no combate à desinformação.
Segundo o documento protocolado, a assessoria passou a atuar como uma espécie de núcleo investigativo paralelo, focado principalmente no monitoramento de críticos de Moraes e de opositores alinhados a uma corrente política específica. O Novo alega que relatórios produzidos pela equipe chefiada por Cristina serviram de base para decisões no STF e no TSE, tanto no polêmico “Inquérito das Fake News” quanto nos processos relativos aos atos de 8 de janeiro de 2023, que culminaram em depredações das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Relatos de abusos e arbitrariedades
Entre as acusações elencadas pelo partido, estão a suposta coordenação irregular de operações de custódia de presos após os atos de 8 de janeiro, pressões sobre servidores para a emissão de “certidões positivas” que incriminariam manifestantes considerados pacíficos, além de episódios de assédio moral dentro do TSE. Outro ponto levantado envolve denúncias de infiltração de agentes externos em grupos privados de mensagens, sem autorização judicial, prática que, segundo juristas consultados, poderia configurar grave violação de garantias constitucionais.
O Novo sustenta ainda que erros em documentos elaborados pela AEED teriam resultado em prisões indevidas, atingindo cidadãos que não tiveram participação efetiva nos episódios de vandalismo. Para a legenda, a soma dessas práticas representa afronta direta a direitos fundamentais como a liberdade de expressão, o devido processo legal e a presunção de inocência.
Repercussão política e jurídica
O presidente do Partido Novo, Eduardo Ribeiro, defendeu a iniciativa como uma medida necessária para preservar a legalidade e a credibilidade das instituições. “O pedido busca cobrar um posicionamento claro do Supremo Tribunal Federal sobre condutas que, em nossa visão, ferem a Constituição e extrapolam a função de uma servidora pública. É fundamental que haja transparência e responsabilização”, afirmou.
Já o advogado Sebastião Coelho, que subscreveu o requerimento, reforçou que “não existe crime de opinião no Brasil” e que a atuação da AEED, sob coordenação de Cristina Yukiko, teria contribuído para a criminalização de manifestações políticas e discursos críticos. Para ele, a abertura de um processo administrativo é essencial para restaurar a confiança da sociedade no funcionamento do Judiciário.
Ao final da petição, o partido solicita que, caso as irregularidades sejam confirmadas em eventual investigação interna, a penalidade aplicada seja a demissão da servidora.
O que diz a legislação
Especialistas apontam que a legislação brasileira prevê limites claros para o papel de assessorias e gabinetes vinculados a tribunais. Tais estruturas têm função de apoio técnico e administrativo, sem poder de investigação criminal ou de persecução penal, competências estas reservadas ao Ministério Público e às autoridades policiais. Assim, se comprovadas, as acusações poderiam configurar desvio de função e violação de normas administrativas e éticas.
Além disso, o Código de Ética do STF prevê punições para servidores que atentem contra os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade. Já o Código de Processo Penal estabelece regras rígidas para investigações, como a necessidade de autorização judicial para medidas invasivas, a exemplo da infiltração em grupos privados de mensagens.
STF sob pressão
A iniciativa do Novo ocorre em um contexto de crescente pressão política sobre a atuação do Supremo e, em especial, sobre as decisões do ministro Alexandre de Moraes. O magistrado tem sido alvo de críticas de setores da sociedade e de partidos que o acusam de agir de forma autoritária em processos ligados à disseminação de desinformação e aos eventos de 8 de janeiro.
Com o pedido protocolado, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, terá de avaliar se abre ou não processo administrativo disciplinar contra Cristina Yukiko. Caso aceite, a servidora será notificada e terá direito a ampla defesa. Caso rejeite, caberá ao Novo recorrer a outras instâncias.
Próximos passos
Até o momento, nem Cristina Yukiko nem o gabinete do ministro Alexandre de Moraes se pronunciaram sobre o pedido. O TSE também não comentou as acusações feitas pelo partido.
Independentemente do desfecho, o episódio deve ampliar o debate sobre os limites de atuação de órgãos de apoio do Judiciário e a necessidade de maior controle sobre estruturas criadas para combater a desinformação. Para críticos, a linha entre a proteção da democracia e a violação de direitos fundamentais não pode ser ultrapassada. Para apoiadores de Moraes, no entanto, a AEED teria desempenhado papel crucial na defesa das instituições frente a ameaças reais.
A decisão de Barroso sobre o caso pode marcar um novo capítulo nas tensões entre o STF, partidos políticos e a opinião pública em torno da atuação de Alexandre de Moraes e de sua equipe.