Lula se escora no STF como nenhum outro presidente

A proximidade entre o presidente Lula e o Supremo Tribunal Federal (STF) vem chamando atenção de analistas, parlamentares e parte da sociedade civil. Desde o ano passado, observadores mais atentos já vinham apontando para um comportamento recorrente: o chefe do Executivo tem recorrido de forma inédita à Suprema Corte para impor sua vontade. E os números agora confirmam isso. Segundo levantamento do Estadão, Lula já acionou o STF por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) em 19 ocasiões — superando até mesmo todo o período do governo de Jair Bolsonaro.

A estatística revela uma mudança preocupante no equilíbrio de poderes em Brasília. Se nos governos anteriores era o Congresso que batia à porta do STF em busca de socorro contra atos do Executivo, agora é o governo petista que recorre à Corte para fazer valer suas medidas, muitas vezes contrariando o próprio Parlamento. O uso sistemático da Justiça como ferramenta de governo escancara uma espécie de “parceria institucional” que muitos classificam como perigosa para a democracia.

Nos dois primeiros mandatos de Lula, essa prática praticamente não existia. Foram apenas dois pedidos feitos ao Supremo. Dilma Rousseff, no seu primeiro governo, também só acionou a Corte uma vez. O contraste com o comportamento atual é evidente. A mudança se consolidou com o fortalecimento das emendas parlamentares e do chamado “orçamento secreto”, o que empoderou o Congresso e forçou o Executivo a buscar novas formas de manter o controle — e o caminho escolhido parece ter sido o STF.

Um dos episódios mais emblemáticos ocorreu quando o ministro Cristiano Zanin suspendeu a prorrogação da desoneração da folha de pagamento aprovada pelo Congresso. A medida, que beneficiaria 17 setores da economia, foi barrada sem qualquer consulta à Casa Legislativa, o que gerou reação imediata do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Em rara crítica pública ao Supremo, Pacheco pediu que a Corte decidisse com base na realidade e respeitasse o papel do Legislativo.

A interferência do Judiciário nas decisões econômicas do país se intensificou com a entrada de Flávio Dino no STF. Em agosto de 2024, o ministro autorizou o governo federal a liberar recursos extraordinários sem respeitar a meta fiscal, alegando emergência climática, mesmo sem provocação formal. O episódio levantou suspeitas sobre o alinhamento automático entre Palácio do Planalto e a Suprema Corte, algo que deveria preocupar qualquer defensor da separação dos poderes.

O caso mais recente envolve a gestão das emendas parlamentares. Dino interveio em um momento crucial para Lula, garantindo ao governo maior controle sobre a liberação de verbas. O “timing” perfeito da decisão evidenciou o quanto as decisões judiciais têm servido de ferramenta política para o Executivo. O uso contínuo do STF para contornar o Congresso transforma a Corte em um agente do governo, minando sua credibilidade e independência.

Especialistas já veem com apreensão esse novo papel que o STF vem assumindo. O professor Lucio Rennó, da UnB, alertou que o tribunal tem se tornado um árbitro em conflitos que o Executivo não consegue resolver politicamente. Isso desgasta a institucionalidade e distorce o propósito da Corte. Se continuar nesse ritmo, o STF corre o risco de ser visto como uma extensão do governo, e não como guardião imparcial da Constituição.